A saúde que chega de Barco
Inauguração do Barco Abaré marca nova etapa do Programa Saúde na Floresta
Por Fábio Pena
Foto: João Ramid
O sol estava a mais de 40 graus na comunidade de Maguari. O espelho d`água do Rio Tapajós era o caminho por onde passava buzinando o Barco Abaré por volta das três horas da tarde do dia 22 de agosto. Debaixo de ramas das árvores da Floresta Nacional do Tapajós, mais de 400 ribeirinhos fixavam os olhos no horizonte, no barco que em pouco tempo iria ancorar no porto de Maguari, a comunidade do Município de Belterra, escolhida para simbolizar a entrega do Abaré aos moradores.
Enquanto a banda municipal formada por jovens entoava a Aquarela do Brasil, dezenas de repórteres, cinegrafistas e fotógrafos disparavam fleshes para registrar o momento histórico para o povo da região.
Foi a primeira viagem do Barco Abaré, uma Unidade Móvel de Saúde que vai atuar nas duas margens do rio Tapajós, atendendo aproximadamente 2600 famílias ou 13.000 beneficiários de 73 comunidades, e promovendo o acesso aos programas da atenção básica como pré-natal, PCCU, planejamento familiar, hiperdia, imunizações, saúde oral, saúde da criança, atendimentos médicos, pequenas cirurgias, atendimentos ambulatoriais e realizações de exames de rotina. Por este motivo o barco ganhou o nome de Abaré - sugerido pelos próprios comunitários a serem beneficiados - que em tupi significa o cuidador ou individuo dedicado aos demais.
A iniciativa compõe o Programa Saúde na Floresta, capitaneado pelo Projeto Saúde & Alegria - PSA - com o apoio da Terre des Hommes Holanda (TdH-NL), em conjunto com as Prefeituras Municipais de Santarém, Belterra e Aveiro, Federações das Comunidades da Flona Tapajós, Resex Tapajós-Arapiuns, Gleba Lago Grande, Conselho Nacional do Seringueiros e Sindicatos de Trabalhadores Rurais das regiões envolvidas.
A solenidade de inauguração aconteceu no dia 22 na orla da cidade de Santarém, quando centenas de pessoas, entre comunitários, autoridades e parceiros participaram do Lançamento oficial do Barco Abaré como parte do II Encontro das comunidades do Programa Saúde na Floresta. Os discursos deixaram transbordar a satisfação por esta importante realização e reafirmaram compromissos das organizações envolvidas. O Abaré foi inaugurado em Santarém, com a quebra de uma cabaça contendo o tarubá, uma bebida típica regional feita de mandioca, e com uma benção para os deuses da floresta seguida de muitos fogos que coloriram o céu anunciando a apresentação do Gran Circo Mocorongo de Saúde & Alegria. O circo foi apresentado com mais de 30 artistas, profissionais de diversas áreas que atuam no PSA e fazem da arte e do lúdico o principal instrumento de educação e mobilização comunitária de toda a proposta.
Festa maior ainda estava por acontecer na tarde do dia 22. A chegada do Abaré na comunidade de Maguari foi um momento ímpar, com cenas que ficarão por muito tempo na memória de todos que ali estavam. O barracão comunitário da vila literalmente fervilhava enquanto um após o outro, entre uma música e outra, autoridades, parceiros, coordenadores do PSA e comunitários seguiam seus depoimentos e a confraternização.
A comunidade esperava por esse momento há um bom tempo. Moradores das comunidades vizinhas também vieram para Maguari participar da festa e receber os primeiros serviços do barco. Dona Odiniza Castro Souza, moradora de Acaratinga, aproveitou para levar seus filhos, Odinei de 10 anos, Odriene de 06 anos e Renato de 05 meses para consultar o médico. O caso de Odinei era mais urgente. “Faz quase um mês que ele está com dor de dente, mas eu não tive ainda condições para levar ele na cidade”, conta a mãe preocupada. Com o atendimento odontológico do barco, Odinei pode agora sorrir com mais tranqüilidade, além de receber orientações para cuidar dos dentes.
Para José Alex Lima de Olivera, 23 anos, morador de Maguari, o Abaré chegou também em boa hora. “Eu fui buscar atendimento dentário na cidade, mas eu teria que ficar mais de um dia lá e o dentista particular pediu muito caro pelo tratamento. Eu acabei voltando sem resolver o problema. E agora fui atendido aqui mesmo na minha comunidade”, conta satisfeito.
O Abaré foi construído para enfrentar as condições amazônicas de secas e enchentes e está bem equipado com sala odontológica e de obstetrícia, equipamentos para exames clínicos básicos completos, entre outros, além de dispor de instrumentos de comunicação e educação, com espaços para palestras e oficinas de capacitação. Terá como suporte uma ambulancha, que já está em funcionamento, facilitando o resgate de pacientes nos casos mais emergenciais. Em apenas um dia na comunidade de Maguari, a “ambulancha” teve que se deslocar para duas comunidades vizinhas para atender casos como o de Bruce dos Santos, 45 anos, que estava com um tumor no pescoço a mais de um mês e sem atendimento.
A presença do Abaré nas águas do rio Tapajós e sua integração à rede pública dos três municípios atingidos (Santarém, Belterra e Aveiro) vai responder a maioria das demandas de atendimento dessas comunidades. Mas o principal componente será o da educação para promoção e proteção à saúde, envolvendo a Rede de Agentes Comunitários de Saúde, parteiras e demais lideranças comunitárias para que o trabalho preventivo tenha continuidade e a assistência não seja tão necessária.
A inauguração do Abaré marca um passo importante para o Programa Saúde na Floresta, que em sua primeira etapa esteve focado na melhoria das condições de saneamento das comunidades, e agora incorpora o desafio da assistência em saúde visando consolidar um modelo de atenção básica adaptado para as comunidades ribeirinhas da Amazônia.